Livre Concorrência
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A Constituição Brasileira vigente, promulgada em 1988, por força
da ansiedade e despreparo das lideranças políticas populares, perdeu a
oportunidade de possuir um conteúdo forte, definitivo, ancorada
basicamente em princípios para, lamentavelmente, tornar-se uma colcha de
retalhos formulada para abrigar interesses e especificidades absolutamente
impróprios para uma carta magna. À época, entretanto, em meio aos debates agitados da Assembléia
Nacional Constituinte, desenvolvia-se uma corrida surda de todos os
segmentos sociais com o objetivo claro, direto e público, de pressionar
os deputados constituintes a incluir no texto constitucional algum artigo,
parágrafo ou inciso que, afinal, pudesse ser traduzido em proteção de
interesses e convicções de alguns grupos. As entidades de Defesa do Consumidor não ficaram atrás, também
fizeram incluir no bojo das diretrizes políticas algumas de suas aspirações,
entre elas, a obrigatoriedade do Estado de promover a defesa do
consumidor: Constituição Federal Art. 5º - XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei,
a defesa do consumidor; Conseguiram ainda as entidades fazer inserir no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, artigo 48, a imposição ao Congresso
Nacional de elaborar o Código de Defesa do Consumidor com prazo fixado de
04 (quatro) meses. Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da
promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do
consumidor. Entretanto, o maior sucesso das entidades de defesa do consumidor,
em busca de um porto seguro para suas reivindicações, se manteria no
campo da inseminação dos princípios, mais abrangentes e abertos que os
dispositivos objetivos. É que a adoção de princípios permite uma atualidade infinita da
proteção constitucional, enquanto os dispositivos objetivos sempre se
deterioram com a evolução econômico-político-social. Com este raciocínio foi trabalhado o artigo 170 da Carta Magna, que
rege os princípios gerais da atividade econômica, de forma que pudesse
contemplar, explicitamente, a livre concorrência, a defesa do consumidor
e, com mais profundidade, a função social da propriedade. Constituição Federal Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; Ora, é sabido que a livre concorrência sempre foi o maior e mais
eficaz instrumento de proteção e defesa do consumidor, mas, o
reconhecimento constitucional de que a propriedade deve possuir função
social, tornou-se o grande elo de sustentação do ordenamento jurídico
democrático e o suporte maior que permite medidas políticas e jurídicas
capazes de oferecer ou resgatar um certo equilíbrio nas relações de
consumo. Somente com a expressão clara de um princípio desta grandeza é
que poderia vicejar um outro dispositivo, objetivo, mas que, em face dos
contornos que adquiria a constituição em fase de elaboração, se fazia
absolutamente necessário, principalmente se o país se dispunha a começar
uma nova jornada, rumo a um assento entre as potências mundiais. O artigo, óbvio, em respeito aos princípios consagrados de
valorização da sociedade como conjunto que abriga, capital, trabalho e
consumo, dispôs: Art. 173- § 4º - a lei reprimirá o abuso do poder econômico que
vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros. E, como coroamento deste mandamento constitucional, foi sancionada a
Lei 8.884/94 que, além de definir conceitos e critérios no campo do
controle dos abusos econômicos, com mais largueza e objetividade, deu
novos contornos ao CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, e
abriu perspectivas mais claras sobre a possibilidade de intervenção
estatal nos negócios privados quando o interesse coletivo se encontrar
ameaçado. Hoje, como uma encomenda amaldiçoada, se materializa uma situação
totalmente subordinada a este emaranhado de normas e idéias, clamando por
uma providência inspirada nos princípios constitucionais e na velha
sabedoria que transborda nas relações de consumo: é a mega fusão de
empresas brasileiras fabricantes de cervejas. Na verdade é preciso avaliar se esta fusão apresenta um efetivo
risco para o consumidor brasileiro ou se poderá ser entendida como uma
boa arma na competição internacional. Para um exame desta natureza é fundamental cruzar e dimensionar as
informações já divulgadas e disponíveis para sentir o verdadeiro
efeito que esta fusão pode produzir no universo econômico e mais
especificamente na correlação de forças nas relações de consumo,
observando os números: O mercado de cervejas, com a fusão terá a seguinte composição: |
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Não se pode abstrair que esta fusão tem como maior enfoque econômico
a eliminação da grande concorrência que uma empresa representava para a
outra, ou seja, a Antártica era a maior concorrente da Brama e vice
versa, também, sem qualquer dificuldade, pode-se descobrir que a fusão
ocorre entre as empresas com maior e mais extensa rede de distribuição
de cervejas no país, e ainda, o poderio de quem controla mais de 73 % da
produção de cervejas por certo irá inibir o aparecimento de novos
concorrentes, especialmente os de origem nacional. Ora, a fusão das fábricas, por si só, já elimina a grande
concorrência existente entre elas, daí não necessitando cobrir os vários
pontos de distribuição com todas as suas marcas e sequer diligenciar
para produzir uma diversidade de cervejas, mais adaptadas ao gosto dos
consumidores de cada região, ou mais saborosas, melhor embaladas ou mais
baratas. Enfim, nem mesmo haverá como rivalizar as paixões dos bebedores
pelas marcas, tudo poderá vir do mesmo tonel e os segredos de qualidade
perderão o sentido. A Lei Antitruste dispõe, com absoluta clareza: Art. 20. Constituem infração da ordem econômica,
independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que
tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não
sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência
ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; § 2º. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de
empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como
fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço
ou tecnologia a ele relativa. § 3º. A posição dominante a que ser refere o parágrafo anterior
é presumida quando a empresa, ou grupo de empresas, controla 20% (vinte
por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo
CADE para setores específicos da economia. Por outro lado, não é necessário argumentar, o preço da cerveja,
sem concorrência equilibrada, pode subir vertiginosamente, ou apenas
diminuir na qualidade, ou, simplesmente, deixar de fazer parte das grandes
promoções dos supermercados. Neste contexto é que se pode medir o valor do interesse privado, em
busca do lucro e do poder de domínio do mercado contrapondo o valor do
interesse coletivo, representado pelo consumidor comum, bebedor de
cerveja, traído pelo casamento indesejado de sua marca e sabor preferido
com a outra, então tida como adversária. Os abusos do poder econômico já foram previamente enumerados pela
lei e, a rigor, neste momento é que poderão valer os princípios
inseridos na Constituição Federal e nas leis ordinárias, vigentes, que
se destinam à proteção dos interesses coletivos, das agressões contra
o social, das lesões ao consumidor e do desequilíbrio nas relações de
consumo. Vale dizer, sem medo de errar, que a função social da propriedade,
preconizada na Constituição Federal, impõe limites de ação ao poder
econômico, podendo detê-lo ou adaptá-lo para melhor atender aos
interesses sociais. Portanto, somente se falharem as instituições competentes, neste
caso o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, é que as
entidades de Defesa do Consumidor deverão buscar, em juízo, a inibição
destas e de outras fusões empresariais que representem qualquer indício
de eliminação da concorrência. Afinal, também imaginando estas hipóteses é que o legislador, a
"fórceps", também dispôs na Lei Antitruste: Lei 8.884/94 Art. 29 - Os prejudicados, por si ou seus legitimados do artigo 82
da Lei 8.078, de 11 de setembro de l990, poderão ingressar em juízo
para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos,
obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica,
bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos,
independentemente do processo administrativo, que não será suspenso em
virtude do ajuizamento de ação. E, finalmente, apenas para a eventualidade de falharem também as opções
judiciais, é que os consumidores já estão desenvolvendo um longo e árduo
trabalho de combate, em várias frentes, aos produtos originários de
poderosas empresas que se desvirtuaram na relação de consumo e, em busca
de lucros fáceis, atropelaram a liberdade de concorrência. Por certo, esta última proposta, mais agressiva mas não menos legítima
que as tradicionais, se necessária, será extremamente eficiente neste
novo mundo globalizado, porque representará uma verdadeira e ferina
revolução nas relações de consumo. Associação Brasileira de Consumidores |
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